Vocês tem ouvido várias pessoas da Lambda3 falarem sobre Democracia Organizacional. Aqui no blog, no Tecnoretórica, palestras, Twitter, Facebook, ao vivo, onde for. Adoramos o assunto. Hoje quero buscar algumas consequências desse processo.

Quando estamos numa democracia organizacional acabamos por, todos juntos, decidir o que vai ser feito do destino da empresa. Decidimos onde aplicar os resultados da empresa, onde vamos trabalhar, que clientes atender, como e se vamos crescer, quanto vamos trabalhar, como fazer a empresa ser sustentável, entre outras decisões. Não há limitação na liberdade da empresa, a não ser aquela imposta pelos próprios membros dessa microsociedade, e que pode ser retirada pelos próprios membros.

Vamos colocar isso diante da perspectiva capitalista e social. O que significa uma empresa onde todos são iguais?

A perspectiva capitalista

A relação capitalista, que Marx define como, entre outras coisas, a contraposição entre capital e trabalho, desaparece quando os donos do capital não mais decidem, mas se equiparam ao trabalho, inclusive não gerenciando o trabalho, mas trabalhando lado a lado em uma relação igualitária. A contraposição desaparece, e com ela todas as consequências nefastas previstas por Marx.

Fica a pergunta: a Lambda3 ainda é uma empresa capitalista? Sem dúvida ela se enquadra, obrigatoriamente, no modelo capitalista. O Brasil vive um modelo econômico de mercado, capitalista, estamos inseridos nele. Trabalhamos por dinheiro, e o dinheiro que vem dos clientes alimenta os trabalhadores da empresa. O dinheiro não vem do Estado, ela não é subsidiada pela sociedade diretamente, e se não trabalhar direito irá a falência. Nesse contexto, sim, é uma empresa capitalista na sua melhor expressão: precisa buscar eficiência e prover valor, ou desaparecerá. Mas vista sob o ponto de vista da contraposição entre capital e trabalho, não é.

O que define o capitalismo? Se entendermos que a diferença de objetivos entre capital e trabalho é obrigatória, a empresa democrática não é capitalista. Se, por outro lado, entendermos que essa dissonância entre quem tem e quem faz não é parte obrigatória do capitalismo, mas uma consequência de um dos modelos de organização possíveis, e que tal modelo está longe de ser o único, então é, sim, capitalista.

Entendo que o último ponto faz mais sentido. A base do capitalismo é a meritocracia, a iniciativa privada. No máximo controladas por regulamentação estatal suficiente para promover incentivo ao bem comum quando este não acontecer naturalmente, algo que deve sempre feito com muito cuidado para não criar distorções ou até disfunções. Diante disso, a empresa democrática é capitalista, por viver um modelo governado pelo mérito e pela iniciativa privada independente do Estado, ainda que não contraponha capital e trabalho.

O ponto onde quero chegar é: em uma democracia organizacional não temos tensão entre capital e trabalho, porque ambos se equiparam e tem um único objetivo.

A perspectiva social

Isso não é pouca coisa. Quando eliminamos este ponto de tensão, como os homens se diferenciam? Quando o ambiente que provê sustentação social é desprovido de competição e tensão, e todos colaboram para chegar num objetivo comum, algumas coisas começam a mudar.

Paremos um minuto para observar o estilo de vida atual. Acredito que muitos já leram uma frase parecida com essa:

“Consumismo é o ato de comprar o que você não precisa, com o dinheiro que você não tem, para impressionar pessoas que você não gosta, a fim de tentar ser uma pessoa que você não é.”

Apesar de ser uma frase de efeito, sua graça está justamente no fato de capturar alguma verdade. Qual a motivação para o consumismo? Porque compramos coisas que não precisamos? Porque tentamos impressionar pessoas que não se preocupam conosco? Porque aceitamos as pressões sociais e tentamos ser quem não somos – e não queremos – ser?

Vamos além: porque temos que ter mais que nosso vizinho? Algumas pesquisas demonstram que a felicidade é definida não pelo que você tem, mas se você tem mais que a média dos seus vizinhos. Porque essa necessidade? Porque essa constante competição? Não podemos simplesmente ser felizes com o que nos satisfaz? Porque não podemos ficar satisfeitos com o que temos, porque precisamos deixar o que o outro tem pior? Não basta o meu computador ser bom, os dos meus amigos precisam ser piores que o meu?

Podemos discutir por um bom tempo de onde vem a motivação para competição. Mas isso fica para outro dia. Eu tenho algumas teorias, mas não vai caber nesse post.

Diante de toda essa competição, voltemos nossos olhares para a empresa democrática. Nela essa competição não faz sentido, se o resultado do outro é ruim, isso também me afeta, e eu vou trabalhar para o dele ficar tão bom ou até melhor que o meu.

Isso significa que não busco o meu sucesso, mas o sucesso comum. Meus colegas fazem o mesmo. Diante disso, vou julgar o que o outro está fazendo diante deste sucesso. Como não há interesse em ser melhor que o outro, mas que ele seja o melhor que pode ser. Sabendo que o outro se tornar muito bom, até melhor que eu, não impacta negativamente minha vida em nada – pelo contrário – muitas distorções são eliminadas. Meu foco agora é no resultado comum. Pontos comuns de controle do outro passam a ser eliminados, conforme o resultado é atingido. Não estou competindo mais com meus colegas, então não preciso mais constantemente apontar suas falhas ou mostrar que sou melhor. Como meu valor também constantemente aumenta, porque meus colegas tem interesse (e portanto motivação) na minha melhoria, o resultado comum é sempre crescente.

Nesse cenário as pessoas podem abandonar qualquer comportamento que não impacte o resultado, e que não queiram manter. Podem, por exemplo, deixar de atender alguma convenção social sobre o ambiente de trabalho, não precisam mais se vestir de alguma forma específica, ou atender um determinado horário de trabalho, se isso não impacta no resultado que ela e seu time querem buscar.

Esse tipo de comportamento aos poucos começa a colocar outras normas sociais em questionamento. Porque posso trabalhar me vestindo como quiser, mas não ir a um restaurante vestido como quiser? Se posso trabalhar em um ambiente totalmente colaborativo, onde meu ganho é o ganho do outro, porque preciso competir no esporte ou torcer contra o time do outro? Será que a competição ainda faz sentido? Se respeito os erros dos meus colegas e ajudo-os a melhorar constantemente, porque não posso fazer o mesmo no trânsito? Se a empresa não possui estruturas de poder, porque elas seriam necessárias na família? Se a relação entre cliente e fornecedor é baseada num objetivo comum, com total transparência, porque não buscar a mesma parceria nas relações amorosas?

De certa forma, as bases da sociedade contemporânea começam a se abalar. Me sinto no meio do furacão. Não estamos só falando no fim da gestão baseada em poder, mas no fim da competição inútil, do consumo desnecessário que não traz prazer, da ostentação, do parecer mais importante que o ser. Vejo as bases se abalando debaixo dos meus pés.

Concluindo

O que aprendemos nesses poucos anos de Lambda3 tem sido incrível, tem mudado completamente a maneira com que vejo o mundo, com que confio nas pessoas, com que me entendo como participante da sociedade. As relações e motivações sociais a cada dia começam a ficar mais claras pra mim. Certamente afirmo que a Lambda3 não é perfeita, longe disso, mas estou feliz com o que ela me traz, e com a possibilidade de trazer essa felicidade para outras pessoas. E esta mudança me traz a oportunidade de mudar fora de lá, e ter também mais felicidade no geral.

Só tenho a agradecer aos meus parceiros nessa empreitada, sejam os sócios que foram corajosos o suficiente para iniciar uma empresa com esse ideal, sejam os amigos que trabalham conosco e fazem parte desse momento de aprendizado, sejam nossos clientes que às vezes nos achavam meio diferentões, mas acabam sendo positivamente afetados por todo esse ideal e também nos trazem diversas experiências positivas, sejam quaisquer outros envolvidos conosco que estão nos apoiando e ajudando a crescer.

Vivemos um momento de mudança social. Esse é só o começo. Sei que de tempos em tempos vou voltar aqui para trazer para vocês uma foto dessa evolução. Nesse meio tempo faço um chamado: não fiquem parados, participem da mudança. Envolvam-se. O mundo é sempre maior do que enxergamos, mas cabe a cada um buscar uma maneira melhor de se entender parte desse mundo.

Giovanni Bassi

Arquiteto e desenvolvedor, agilista, escalador, provocador. É fundador e CSA da Lambda3. Programa porque gosta. Acredita que pessoas autogerenciadas funcionam melhor e por acreditar que heterarquia é mais eficiente que hierarquia. Foi reconhecido Microsoft MVP há mais de dez anos, dos mais de vinte que atua no mercado. Já palestrou sobre .NET, Rust, microsserviços, JavaScript, TypeScript, Ruby, Node.js, Frontend e Backend, Agile, etc, no Brasil, e no exterior. Liderou grupos de usuários em assuntos como arquitetura de software, Docker, e .NET.