Disclaimer: Antes de chamar este artigo de falacioso, por favor: entenda o que “falácia” quer dizer (ex: um artigo nunca é falacioso, mas seus argumentos podem ser. E por favor, cite-os 😀 ).

Origens

Tentando dar um pouco mais de corpo para o que tenho a dizer, e depois de algumas argumentações no post anterior sobre a origem do gerenciamento, gostaria de dar mais informações.

Começando com a definição que se encontra na Wikipedia sobre o tema:

“Gerência, em todos os negócios e atividades organizacionais, é o ato de reunir pessoas para atingir metas e objectives desejados utilizando recursos necessários efeciente e efetivamente”

Existem referências à organização e controle de atividades, e ao termo gerenciamento, datam de muito antes da era industrial, apesar dos termos como “alocação de recursos”, “produção” e “preço” serem realmente mais modernas. O único problema nisso tudo é que a relação entre escravidão e gerenciamento sempre foi excluída da literatura moderna. Inclusive o Professor Bill Coke já propôs uma revisão completa sobre o tema relacionada à história do gerenciamento nos Estados Unidos (sumário). Não vou dissecar o artigo científico aqui, então por favor, esteja livre para lê-lo em seu tempo 😀

A gerência surgiu como uma profissão diretamente consequente à escravidão. Alguns dos elementos chave do gerenciamento já estão presentes na história da escravidão desde o seu início. Um exemplo interessante pode ser lido no Livro 1 de Aristóteles em que ele descreve a necessidade de homens serem gerentes não apenas para controlar escravos, mas para controlar mulheres, crianças, serventes domésticos e animais.

Da mesma forma que escravos eram considerados “coisas” a serem manipulados, ferramentas para serem utilizados, o mundo moderno incorpora o termo “recurso” como uma designação coerente aos empregados. Neste ambiente é que surgem as principais histórias de revoltas lideradas por escravos, como Spartacus.

Assim, desde início do mundo, é que a tensão entre escravos e seus gestores ganha personificações míticas que representam “o escravo selvagem, desobediente”, e surgem ainda mais o uso da brutalidade, coerção, dominância e poder para garantir o comportamento adequado. Nada disso é diferente dos mecanismos atuais de controle de empregados: trocamos o açoite pelas broncas em público, desconto de salário, politicagem e a burocracia. Sim, evoluímos como civilização, mas mativemos os mesmos princípios por detrás de nossas atitudes.

Ainda que o Gerenciamento Científico de Taylor tenha se provado extremamente útil para atender a uma demanda produtiva crescente, é importante lembrar que a idéia central por trás de Principles of Scientific Management foi que o estudo sobre tempo e movimento poderia maximizar a eficiência do trabalho eliminando passos desnecessários e duplicados, reduzindo o que o próprio Taylor considerava preguiça e corporativismo dos trabalhadores. Todas as camadas de gerenciamento/supervisão e a completa mecanização das rotinas de trabalho foram deliberadamente uma forma de retirar dos trabalhadores a capacidade de pensar e decidir sobre o próprio trabalho, além da capacidade de extrair muito mais trabalho extra, sem necessariamente um aumento salarial.

Claro que nem todos pensavam como Taylor. Em especial vou compartilhar um trecho de Henry Gantt, em que ele critica a idéia do gerenciamento científico:

“Qualquer coisa que façamos deve ser em acordo à natureza humana. Nós não podemos dirigir as pessoas; nós precisamos guiar seu desenvolvimento… a política geral do passado tem sido ‘digirir’; mas a era da força deve dar passagem para aquela do conhecimento, e a política do futuro será ensinar e liderar, para a vantagem de todos os envolvidos.”

Em suas raízes, o Gerenciamento e principalmente o papel do Gerente, estão ligados a um modelo mental precário, antiquado e danoso. É disso que somos contra.

E pode Lombardi?

Um primeiro argumento batido quando falamos em democracia organizacional é a falácia “Mas isso é impossível funcionar numa empresa grande!”. É triste saber que, normalmente essa afirmação vem cheia de ignorância sobre alguns cases existentes. Bem, tentando mitigar essa idéia de uma vez por todas, vou apresentar rapidamente um case(ja que o artigo está muito grande, logo posto outros cases):

Morning Star CO
Faturamento anual ( U$ 700 milhões)
http://www.morningstarco.com/
Bem, este é o caso de estudo que deu início a vários tweets meus nas últimas semanas, principalmente pelo fato de tocar em pontos cruciais de minhas críticas, corroborando com a minha percepção de gerenciamento. Inclusive na página principal da empresa já se toca neste ponto.

Morning Star não tem gerentes, ponto.

Cada funcionário da MS é responsável por traçar uma visão e uma missão de como deverão atender à visão da empresa de “produzir produtos e serviços derivados de tomate que consistentemente atingem as expectativas de qualidade de nossos clientes.”. Paul Green Sr., técnico da empresa descreve no artigo que “Você é responsável por alcançar a sua meta e por adquirir o treinamento, recursos e cooperação necessários para esta meta. Sou guiado pela minha missão pessoal, não por um gerente.”

Mais importante ainda, a empresa permite que os funcionários forgem comprometimentos entre si mesmos e não os famosos “Acordos de Desempenho individual” (quem já participou sabe o tamanho da besteira que isso pode se tornar). O termo usado pela Morning Star é Colleague Letter of Understanding (CLOU), e representa um conjunto de acordo definidos entre os funcionarios e aqueles que mais são afetados por suas atividades. É possível entender o CLOU como sendo o plano operacional para uma pessoa alcançar sua missão.

Mais do que criar comprometimentos com um gerente, o que existe é uma rede de comprometimento entre os funcionários e todos aqueles afetados. É esta liberdade que permite que a empresa se organize sem a ajuda(?) de gerentes. Um exemplo em que isso fica bastante claro é no processo de aquisição e compra. Não existe um escritório central de compras, e os funcionários são responsáveis e livres para decidirem o que comprar, e quanto gastar.

O processo de contratação é parecido com o processo descrito por Andre Carlucci em sua empresa Way2: a equipe decide se deve, quando deve, e quem deve contratar.

Outra questão importante: transparência e conhecimento. Todos na empresa possuem ao menos conhecimentos básicos sobre finanças, planejamento e estratégia. Assim, eles podem decidir de maneira eficiente sobre onde gastar, para que gastar e quando gastar. Novos funcionários participam de seminários de formação em auto-gerenciamento e todas as informações que precisam para trabalharem no ambiente da empresa.

E por último responsabilidade: todo ano, todos os funcionários recebem o feedback de todos os envolvidos em seu CLOU, e são chamados para defender seu rendimento nos últimos 12 meses. Isso mesmo, você leu certo: na frente de todos akeles em que seu trabalho interage, todos os funcionários devem defender o próprio desempenho, o gasto de recursos, ROI de suas atividades, os problemas e a conclusão dos trabalhos decorridos no ano. É uma maneira extremamente eficiente de garantir que todos os stakeholders envolvidos possam ter acesso aos resultados do trabalho de forma transparente.

A Morning Star ainda está vinculada a um instituto focado em auto-gerenciamento. Dê uma olhada:
http://self-managementinstitute.org/

Por que odiamos gerentes

É necessário um modelo novo.

Não se constroi algo melhor apenas iterando pequenas mudanças sobre conceitos errados. É necessário um paradigma e um conjunto de valores novos, e neste ponto é que o Termo, o Cargo e as Premissas por trás da figura de um gerente devem ser modificados.

Tomei a liberdade de roubar um trecho interessante sobre alguns passos nessa direção que temos falado. É apenas uma tradução literal do conteúdo, e consegue ilustrar o caminho:

O Caminho para o auto gerenciamento

Fonte: Fire all the managers

Sua organização não foi criada através dos princípios de auto-gerenciamento. É mais provável que seja uma construção burocrática – com um livro de regras políticas, multi camadas hierárquicas e lar do processo gerencial- feita para garantir conformidade e previsibilidade.

Controle é a pedra fundamental da burocracia, como Max Weber apontou há quase um século atrás. Dentro do modelo burocrático, gerentes são os guias garantindo que empregados sigam regras, atendam aos padrões e alcancem o orçamento.

Burocracia e auto-organização são opostos ideológicos, assim como totalitarismo e democracia. Para se construir uma empresa auto-gerenciada, não é possível apenas podar os galhos da burocracia – faz-se necessário arrancá-la pela raíz. Os fundadores dos EUA não se reuniram para amenizar os excessos da monarquia; ele almejaram suplantá-la. Da mesma forma, caso você não se comprometa totalmente ao auto-gerenciamento, se contentará com facilmente reversíveis meias medidas quando deveria pressionar por muito mais.

Ainda assim, ninguém lhe dará permissão para explodir as velhas estruturas. Você terá que demonstrar que auto-organização não significa “sem gerenciamento” e que descentralização radical não é anarquia. E aqui está como começar:

Primeiro, peça a todos de seu time que escrevam uma missão pessoal. Pergunte a cada um deles: “Qual é o valor que você gostaria de criar para os seus pares? Quais são os problemas que você deseja resolver para seus colegas?”. Desafie as pessoas a focarem nos benefícios entregáveis ao invés das atividades a serem realizadas. Assim que todos tenham desenvolvido pequenas sentenças, organize-os em pequenos grupos para que eles possam criticar as sentenças uns dos outros. No processo, você auxiliará na mudança do foco em “atendimento/aderência a papéis” para responsabilidade negociada entre os pares.

Segundo, busca pequenas formas de ampliar o escopo de autonomia das pessoas. Pergunte a seus colegas: “Quais os procedimentos que o impedem de atingir sua missão?”. Uma vez que sejam identificadas as principais causas, apresente-as e veja o que acontece. Até é possível retomar o controle, e caso você seja sério sobre auto-gerenciamento, fará isso cautelosamente.

Terceiro, equipe todos os times com o própria conta de Lucro&Prejuízo. Para exercitar a liberdade efetivamente, as pessoas precisam calcular o impacto de suas decisões. O caminho para o auto-gerenciamento é pavimentado com informação.

Finalmente, você deve buscar caminhos para erradicar as distinções entre gerentes e gerenciados. Se você é um gerente, pode começar listando seus comprometimentos para com seu time. Peça a qualquer um que trabalhe com você para escrever a lista. Tornar líderes mais responsáveis pelas pessoas lideradas é essencial para construir uma rede de responsabilidades recíprocas.

Para empresas tradicionais, o caminho para a auto-organização é árduo, mas as experiências de empresas como Morning Star e W. L. Gore, supõe que a jornada é recompensante. No final, você chegará a uma empresa que é altamente eficiente e profundamente humanizada.

Obrigado.

Victor Hugo Germano

CEO da Lambda3